UMA ILHA

UMA ILHA

Hipérion Projeto Teatral

Que lugar têm os mortos no corpo da Cultura? O que é o Poder? Que relação há entre o Direito e a Justiça? Porque lutamos pela Liberdade, Direitos e Igualdades? São questões levantadas na peça “UMA ILHA”, texto original que revisita a História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides. Exercício que transporta a cultura clássica para o centro da dramaturgia contemporânea, cujos pontos incidem num confronto com a História Moderna, denotando as Ideias que fundamentam o pensamento filosófico europeu. Estas são notas para um teatro analítico.

Estas e outras interrogações são levantadas na peça “UMA ILHA o diálogo meliano”. Trata-se de um texto construído a partir da obra “A Guerra do Peloponeso”, do historiador grego Tucídides em que este relata, em pequenos diálogos e narrativas curtas plenas de dramaticidade, a luta fratricida entre atenienses e espartanos que teve lugar na Grécia, no tempo de Péricles, séc. V a.C. entre 431 e 404. A peça centra-se sobretudo no episódio conhecido por Diálogo Meliano, no desenrolar do qual os cidadãos da ilha de Melos, no Mar Egeu, ao largo de Creta, decidem optar pela neutralidade, resistindo desse modo ao cerco levado a cabo por Atenas, contrariando o poder fiscal imposto pela cidade mãe e combatendo as ambições imperialistas dos atenienses que desejavam controlar a totalidade do Mar Egeu, as suas ilhas e estreitos por onde passava todo o comércio naval, nomeadamente o abastecimento de cereais, decisivo para a vida de Atenas.

Para que servem os mortos? Qual a natureza do Poder?

“Um espectro assola a Europa, é uma luta que traz em si um coveiro”, um monstro invisível amedronta-nos, mas nós, cidadãos do mundo, resistimos com as armas que temos. A voz de Friedrich Engels aparece nas linhas ditas pelos atores, num palco que é agora uma ilha no Mar Egeu, uma ilha no mundo, a nossa ilha à procura de “uma terra sem amos, sem deuses, sem águias a comer-nos o fígado”, inspirada numa ilha que viveu quase 3O anos de guerra. Perguntamos: Os mortos para que servem, o que podem ainda eles fazer numa Europa que é “uma noção vaga desalinhada e tantas lágrimas?”

Neste diálogo meliano do historiador grego, em que atenienses e mélios funcionam como personagens de um drama, são colocadas questões fundamentais que dominavam a discussão da democracia ateniense, nomeadamente a natureza do poder entre as cidades-estados, a prevalência do Direito ou da Justiça, o domínio do mais forte sobre o mais fraco.

Tucídides que foi ele próprio, comandante nas forças atenienses, por isso testemunha direta do sucedido, quis deixar aos leitores vindouros um documento escrito com clareza e transparência e tentou que estas duas marcas de estilo orientassem as suas escolhas. Ele mesmo, nas suas palavras, refere que o seu texto é “um tesouro, um bem para sempre, uma aquisição definitiva”. É este tesouro que esta peça, “UMA ILHA”, se propõe levar a palco a fim de o transformar num espaço de insubmissão e de revolta, um espaço de reflexão e de opinião que sirva de tapete para essa grande ponte entre a Grécia antiga e a contemporaneidade.

Devem as relações internacionais entre estados ou cidades ser moderadas permitindo um equilíbrio de poderes? Deve vingar a neutralidade da ilha de Melos no decurso da guerra ou deve a cidade mais forte, neste caso Atenas, subjugar a frágil ilha que lhe resiste? Estamos perante uma questão moral e política. E hoje, como se pode responder a esta pergunta? Com negociações, com diplomacia, com armas? Os atenienses, neste diálogo meliano, eram claros, dizendo que “o direito, nos tempos que correm, é apenas aplicável aos que se igualam em poderio, enquanto o mais forte faz o que quer e o fraco o que deve”. Os Mélios, por sua vez, reclamam que “aceitar a submissão é entregarmo-nos ao desespero, enquanto a ação ainda nos dá a esperança de podermos permanecer erguidos”.

O teatro não existe para tomar partido por uma das partes, existe para colocar em confronto ideias essenciais para reflexão do espectador de todos os tempos. Não é neutralidade, é discussão de ideias, é colocar os pratos na mesa dos atores e, em conjunto com os espectadores, pensar, como Tucídides, que, se um país caminha para a ruína, também o homem mais forte, o mais próspero acabará arruinado.

Para que servem os mortos? Por que lutamos pela liberdade?

Seremos nós os donos dos nossos próprios atos? Vivemos na esperança de um mundo que seja nosso, levamos na mochila os sonhos de Homero, o desespero de Goya, a loucura de Nietzsche, provamos do fruto de Adão, sofremos com Prometeu e ansiamos ser Pégaso, Ulisses, Filoctetes, desejamos ser atenienses e espartanos ao mesmo tempo. Levamos os textos antigos connosco para cima das tábuas e confrontamo-los com a modernidade, com os olhos de hoje. Como Tucídides refletimos sobre a possibilidade de existir uma ilha, uma região, uma província, uma cidade, um estado, um país onde possamos viver em liberdade plena.

Este espetáculo resulta numa construção dramática elaborada não apenas a partir de textos antigos e modernos de referência (Ésquilo, Homero, Rimbaud), mas também com o texto inédito que Mário Trigo incluiu, incutindo no todo um ritmo aberto ao diálogo e ao monólogo reflexivo. Um texto que fala da guerra e do mal, da sobrevivência e do amor, e nos dá um pensamento amplo sobre o que estamos a viver hoje num mundo cheio de contradições e barbárie. Traz também a esperança de uma sociedade melhor através de vozes eternas, como a do Velho, do Marinheiro, do Lavrador, do Homem e da Mulher e a dos deuses.

As cenas são cortadas pelas falas do ator enquanto ele mesmo, centradas no trabalho cénico e dramatúrgico. Ele dirige-se ao público e apela à reflexão sobre o papel do teatro na vida das pessoas e sobre como se constrói o espetáculo, sobre o que está em jogo e sobre quem somos neste contexto dialogante: “Eu sou um ator, falo, esta é a minha marcação que eu desenvolvo, trabalho, pagam-me para o fazer aqui diante de vós, para daqui vos falar”.

Para que servem os mortos?

Estamos todos como Orwell, com o pescoço em sangue após ter sido atingido por uma bala na Guerra Civil de Espanha. Não nos podemos deixar ganhar pelo medo. “Um soldado jovem está estendido na relva, a céu aberto, dorme ao sol, a mão sobre o peito tranquilo” escreve Rimbaud. Somos esse jovem que sonha que os cidadãos do mundo não deixarão secar os rios, queimar as florestas, dizimar os animais selvagens. Como a personagem Mulher, vinda da orla do mar, em Ésquilo, que diz ao Homem, “levanto para ti as minhas súplicas, poupa a nossa cidade” e depois invoca os deuses, “salvai-nos a ilha”.

Texto MÁRIO TRIGO (SOBRE MOTIVOS DE TUCÍDIDES)
Encenação MÁRIO TRIGO COM JAIME ROCHA
Dramaturgia ALEXANDRE SARRAZOLA, JAIME ROCHA E MÁRIO TRIGO
Interpretação CIRILA BOSSUET, MIGUEL COUTINHO, NISA ELIZIÁRIO E PHILIPPE ARAÚJO
Música Original CARLOS SANTOS
Espaço Cénico MÁRIO TRIGO E NISA ELIZIÁRIO
Figurinos JOANA SABOEIRO
Direção Técnica SHOWVENTURA
Teaser e Fotografia de Cena SUSANA CHICÓ
Fotografia e Design TÂNIA CADIMA
Gestão e Direção de Produção JOANA FERREIRA
Apoios DGARTES/REPÚBLICA PORTUGUESA – CULTURA E COMUNA – TEATRO DE PESQUISA

MÁRIO TRIGO recebeu formação teatral com os Paines Plough – Seminário para Encenadores e Escritores, dirigido por John Tiffany e Enda Walsh. Teve formação com Gennadi Bogdanov, Eimuntas Nekrosius, Luís Lima Barreto, entre outros. Em 1998 fundou a companhia Associação Teatro Focus, onde encenou autores como F. Céline, Boris Vian, Oscar Wilde, Sófocles, Jean Genet, Isabel Freire, Fernando Sousa, Gil Vicente, Molière, entre outros. Enquanto ator tem exercido uma colaboração com encenadores portugueses, dos quais destaca Ávila Costa, João Meireles, Pompeu José, Pedro Carmo, Pedro Alves, Francisco Campos, Rui Guilherme Lopes, Rui Mário e Paulo Campos dos Reis. Com o Teatromosca encenou “Retratinho de Guerra Junqueiro”, “Retratinho de D. Carlos”, “Dor Fantasma”, e em 2013 assumiu a direção artística do projeto GOETHE, onde dirigiu “A Paixão do Jovem Werther”, em cena na Casa de Teatro de Sintra. Lecionou a disciplina “Interpretação III” na In Impetus-Escola de Actores, onde encenou “Preciosas Ridículas” e “O Avarento”, textos de Molière; “AGAMÉMNON paisagem Oresteia”, de Ésquilo. Com a Musgo – Produção Cultural, integrou como ator o espetáculo “Ou Quixote”, e encenou os espetáculos “Ulisses”, “14-18” e “do outro lado, o Muro”. Com a ÁGUA P’LA TESTA Companhia de Teatro encenou o espetáculo “Hipérion” de Hölderlin, em cena no Teatro da Malaposta, 2019. Em 2020 cofundou a HIPÉRION Projeto Teatral onde encenou o espetáculo “Uma fina camada de gelo” com textos de George Orwell, em cena no Teatro da Malaposta. Em 2021 encenou o espetáculo “Filoctetes” de Heiner Müller, em cena no Teatro da Malaposta, Casa de Teatro de Sintra, no AMAS e na BRUXA teatro – Évora.

JAIME ROCHA é poeta, dramaturgo e romancista editado pela Relógio D’Água Editores. É cofundador do coletivo HIPÉRION Projeto Teatral. Frequentou a Faculdade de Letras de Lisboa, viveu em França nos últimos anos da Ditadura, publicou o seu primeiro livro em 197O. Os seus textos foram levados à cena por encenadores como João Brites, Carlos Avilez, João Lourenço, Pompeu José, Celso Cleto, Jorge Fraga, Paulo Campos dos Reis, Mário Trigo, entre outros. Foi premiado pelo Grande Prémio APE de Teatro – 1998 com a peça “O Terceiro Andar”; pelo Grande Prémio de Teatro Português SPA/Novo Grupo – 2OO4, com a peça “Homem Branco Homem Negro”. A peça “O Construtor” foi selecionada para o Prémio Europeu de Teatro, em Berlim em 1994, e traduzida em alemão, espanhol, inglês, francês e holandês. Assinou a Dramaturgia dos espetáculos “Hipérion” de F. Hölderlin, “Uma fina camada de gelo” de George Orwell e “Filoctetes” de Heiner Müller, com encenações de Mário Trigo, em cena no Centro Cultural da Malaposta, em 2O19, 2O2O e 2O21.

CIRILA BOSSUET é atriz, nascida em Lisboa em 1993. Frequentou o Curso de Artes do Espetáculo – Interpretação (em Sintra) e Escola Superior de Teatro e Cinema, ramo Atores. Foi estagiária no Teatro Nacional D. Maria II na temporada 2016/17, onde trabalhou com os encenadores Miguel Fragata e João Brites. Trabalhou com Carlos J. Pessoa no Teatro da Garagem. Integrou o elenco do espetáculo “Teatro”, uma produção do TNDMII, escrito e encenado por Pascal Rambert. Com o Teatromosca participou no espetáculo “O Deus das Moscas” de William Golding (2019). No cinema, participou no filme “Pedro” da cineasta brasileira Laís Bodanzky.

MIGUEL COUTINHO nasceu em Aveiro, em 198O. Foi já depois de uma licenciatura em educação, pela ESE Viana do Castelo, que a frequência de uma oficina de teatro dirigida por Teresa Grancho durante um ano, o leva a mudar-se para Lisboa, à procura de mais formação e experiência como ator. Termina com sucesso os 3 anos de formação do Curso de Formação de Atores da InImpetus, já depois de se estrear profissionalmente no Teatroesfera, “-desgraçador”, em 2O15. No último ano apresentou-se em diversos teatros em Portugal, como o Teatro da Comuna, em Lisboa, ou a Bruxa Teatro, em Évora, com o espetáculo “Preciosas Ridículas” de Molière, ou o Centro Cultural Malaposta, com o espetáculo “Hipérion” de Friedrich Hölderlin. Tem também trabalhado em cinema, tendo participado em diversas curtas-metragens, e duas longas-metragens, um filme alemão intitulado “The connections” e “Uma Cidade Entre Nós”, filme que venceu a categoria de “melhor filme estrangeiro” em Kansas City, e que lhe valeu o prémio de melhor ator secundário, pelo Cineuphoria em 2O16. Aliando a sua experiência enquanto ator à sua formação pedagógica, faz parte do corpo docente da InImpetus escola de Atores desde 2O16. Foi ator no espetáculo “Uma fina camada de gelo” com textos de George Orwell e “Filoctetes” de Heiner Müller, encenações de Mário Trigo, em cena no Centro Cultural Malaposta, 2O2O e 2O21.

NISA ELIZIÁRIO licenciou-se pela FLUL em Artes do Espetáculo (2O17), tendo concluído o curso com estágio realizado na Cooperativa de Produção Artística Teatro Animação O Bando, onde trabalhou na área de produção, de confeção de adereços de cena e de contrarregra no projeto “Adoecer” de Hélia Correia (2O17). Mais recentemente fez a produção da itinerância do projeto “Purgatório – A Divina Comédia”, para o mesmo Teatro O Bando, em Coimbra, no Convento São Francisco (2O19). Desde 2O18 até ao presente trabalha como atriz na RUGAS – Associação Cultural, onde também executa trabalho na área de cenografia e produção, numa ótica de criação performativa multidisciplinar para e com a comunidade no concelho de Sintra. É cofundadora do coletivo HIPÉRION Projeto Teatral onde assinou as Cenografias dos espetáculos “Uma fina camada de gelo” com textos de George Orwell e “Filoctetes” de Heiner Müller, encenações de Mário Trigo, em cena no Centro Cultural Malaposta, em 2O2O e 2O21 respetivamente. Atualmente frequenta o Curso de Gestão e Produção das Artes do Espetáculo, no Fórum Dança, em Lisboa.

PHILIPPE ARAÚJO licenciou-se em História da Arte na FLUL, em 2OO6. Recebeu formação teatral com Marcia Haufrecht, Filipe Crawford, Teatro do Vestido, Berty Tovías, Vanessa Segura, Paulo Castro, Patrice Douchet. Frequentou o Curso de Cultura Teatral no TNDMII. Trabalha profissionalmente desde 2OO6. Trabalhou com Ávila Costa, Mário Trigo, Filomena Oliveira, Rui Mário, Nuno Vicente, Paulo Campos dos Reis, Pedro Alves e Susana C. Gaspar. Trabalhou textos de Filomena Oliveira e Miguel Real, Pirandello, Ben Jonson, Shakespeare, Diderot, John Berger, José Saramago, Lewis Carroll, Goethe, Cervantes, Faulkner, Ray Bradbury, Luís de Camões, Homero, Jaime Rocha, Hölderlin, George Orwell. Foi ator nos espetáculos “Hipérion” de Friedrich Hölderlin, em 2O19, “Uma fina camada de gelo” com textos de George Orwell, em 2O2O, e “Filoctetes” de Heiner Müller, encenações de Mário Trigo em cena no Centro Cultural Malaposta.

©Fotografia TÂNIA CADIMA

TEATRO

2O22 | NOV 23, 24, 25 e 27

QUA a SEX – 2OH3O
DOM – 16HOO

SALA EXPERIMENTAL

12€ | DESCONTOS APLICÁVEIS

9O MINUTOS

M/16

A sessão de 25 de novembro terá conversa com o público no final do espetáculo.

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