Uma fina camada de gelo

Uma fina camada de gelo

Hipérion Projeto Teatral

O texto para este espetáculo parte de quatro obras de George Orwell – “Diários”, “O Caminho para Wigan Pier”, “Na penúria em Paris e em Londres” e “Homenagem à Catalunha”. Resulta, portanto, num texto adaptado, cuja narrativa é descontínua. Pelo texto atravessamos os registos que o autor fez aquando do seu acompanhamento com as classes sociais carenciadas – o seu viver quotidiano com dificuldades financeiras, submetidas a condições laborais precárias, com baixo poder de compra e qualidade de vida abaixo das necessidades elementares. Contexto vivido pelo próprio Orwell aquando da sua passagem por Paris, onde experimentou a pobreza, as rotinas e preocupações que advêm da escassez financeira, e da insalubridade que acompanha a vida das pessoas indigentes. Para ficarmos a saber, ainda, porque se alistou para combater na frente Republicana durante a guerra civil de Espanha – as vivências e episódios de guerra, e as consequentes lições políticas daí retiradas. Lições que estão sempre presentes no desenrolar da narrativa do espetáculo em resolução Social-Democrata. Tudo isto emoldurado pelos apontamentos vindos dos seus “Diários”, que vão fazendo um registo biográfico da sua vida durante os últimos dias.

Porque se recorre cada vez mais aos textos de Orwell neste tempo de retorno às intenções nacionalistas em espaço europeu? Com a reemergência de movimentos de extrema-direita, que trazem um discurso acentuadamente fascista, suportado em verdades ditas “alternativas” que vêm subverter as realidades sociológicas através de ações concertadas nas redes sociais, que sustentam uma ignorância cada vez mais agressiva, denotando pulsões racistas, xenófobas, discriminatórias, que pretendem o fecho de territórios e fronteiras, que excluem as diferenças impondo interesses da supremacia branca, atacando regimes políticos abertos e plurais, negando a eficácia científica…

A dramaturgia para este espetáculo acompanha o percurso pessoal de George Orwell, bem como as diferentes fases da sua carreira enquanto jornalista, ensaísta, romancista, operário em exploração de minas ou tarefeiro nas cozinhas de restaurantes em França. Simultaneamente, traça a sua evolução enquanto autor político e intelectual público. E porquê a necessidade de ler, reler, entender detalhadamente Orwell, agora que vivemos numa apressada transição para uma sociedade digital, com tecnologia, números, estatísticas, controlos logísticos, manipulação de dados e de informação, visando aquilo a que ele designou como realidades distópicas?

O texto que serve este espetáculo resulta num texto adaptado, cuja narrativa é descontínua. Através desta adaptação, salientamos os relatos que o autor deixou aquando da sua vivência com as classes sociais carenciadas. Recorremos ainda a textos biográficos, as vivências e episódios de guerra por si mesmo travados, e as consequentes lições políticas e sociológicas daí retiradas. Lições que estarão presentes no desenrolar da narrativa do espetáculo, visando o seu enquadramento num quadro de natureza social-democrata, defendida por Orwell como referência ideológica…

A intenção deste projeto é contribuir para uma discussão pública, através dos dispositivos cénicos, que sublinhe a urgência de defesa e consistência dos regimes democráticos europeus.

«Aristóteles define o ser humano como um agente político configurado num Estado de Direito. É partindo deste axioma que, na HIPÉRION, nos constituímos enquanto criadores livres. Sendo o teatro um espaço coletivo de discussão, pretendemos, por intermédio de um trabalho dramatúrgico consistente, compartilhar a valia de artistas com referências culturais múltiplas. Diferentes maneiras de olhar expressam alteridades de pensamento que têm tradução direta no modo como artistas e público se relacionam, se contrapõem e se identificam. Numa palavra, visões diferenciadas engrandecem a criação teatral. Consideramos qualquer tipo de violência uma manifestação pequena da humanidade. Parafraseando Lautréamont, há horas nas nossas vidas em que lançamos o olhar às membranas do espaço, porque nos pareceu ouvir lá em cima os apupos de um fantasma. Ele vacila e curva a cabeça, se de uma cabeça se trata: o que de lá ouvimos é a voz da nossa consciência. Abrimos as portas e é no isolamento da noite que procuramos um lugar, qualquer lugar, onde possamos trabalhar, desenhando alguma coisa dentro de cena. É dizer, procuramos a redenção.
Que consolo nos poderão trazer os dias que correm?»

Mário Trigo

Texto GEORGE ORWELL
Encenação MÁRIO TRIGO, com JAIME ROCHA
Dramaturgia JAIME ROCHA e MÁRIO TRIGO
Interpretação ANA FREITAS, FILIPE ARAÚJO, INÊS FERREIRA DA SILVA, MIGUEL COUTINHO e VICTHOR BÖRRÉN DIAS
Espaço cénico NISA ELIZIÁRIO
Figurinos JOANA SABOEIRO
Direção Técnica NUNO GOMES
Fotografia de Cena ALÍPIO PADILHA
Teaser INÊS OLIVEIRA
Imagem e Design TÂNIA CADIMA

Mário Trigo recebeu formação teatral com os Paines Plough – Seminário para Encenadores e Escritores, dirigido por John Tiffany e Enda Walsh. Teve formação com Gennadi Bogdanov, Eimuntas Nekrosius, Luís Lima Barreto, entre outros. Em 1998 fundou a companhia Associação Teatro Focus, onde encenou autores como F. Céline, Boris Vian, Oscar Wilde, Sófocles, Jean Genet, Isabel Freire, Fernando Sousa, Gil Vicente, Molière, entre outros. Enquanto ator tem exercido uma colaboração com encenadores portugueses, dos quais destaca Ávila Costa, João Meireles, Pompeu José, Pedro Carmo, Pedro Alves, Francisco Campos, Rui Guilherme Lopes, Rui Mário e Paulo Campos dos reis. Com o teatromosca encenou “Retratinho de Guerra Junqueiro”, “Retratinho de D. Carlos”, “Dor Fantasma”, e em 2013 assumiu a direção artística do projeto GOETHE, onde dirigiu “A Paixão do Jovem Werther”, em cena na Casa de Teatro de Sintra. Atualmente leciona a disciplina Interpretação III na In Impetus-Escola de Actores, onde encenou “Preciosas Ridículas” e “O Avarento”, textos de Molière; “Agamémnon Paisagem Oresteia”, de Ésquilo. Com a Musgo – Produção Cultural, integrou como ator o espetáculo “Ou Quixote”, e encenou os espetáculos “Ulisses”, “14-18” e “Do Outro Lado, o Muro”. Ainda com a Água P’la Testa Companhia de Teatro encenou o espetáculo “Hipérion” de Holderlin, em cena no Teatro da Malaposta, 2019.

Jaime Rocha, poeta, dramaturgo e romancista. Frequentou a Faculdade de Letras de Lisboa, viveu em França nos últimos anos da Ditadura, publicou o seu primeiro livro em 1970. Os seus textos foram levados à cena por encenadores como João Brites, Carlos Avilez, João Lourenço, Pompeu José, Celso Cleto, Jorge Fraga, Paulo Campos dos Reis, Mário Trigo, entre outros. Foi premiado pelo Grande Prémio APE de Teatro – 1998 com a peça O Terceiro Andar; pelo Grande Prémio de Teatro Português SPA/Novo Grupo – 2004, com a peça Homem Branco Homem Negro. A peça O Construtor foi selecionada para o Prémio Europeu de Teatro, em Berlim em 1994, e traduzida em alemão, espanhol, inglês, francês e Holandês.

TEATRO

2020 | NOV 12 a 20

12, 13, 17, 18, 19 e 20 – 19H00

DIA 13 e 20 – CONVERSA COM O PÚBLICO NO FINAL DO ESPETÁCULO

AUDITÓRIO

10€ | DESCONTOS APLICÁVEIS

105 MINUTOS

M/14

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