Historial


Todo o complexo onde funcionam os serviços da Malaposta, pertenceu a um edifício anterior, construído com outros fins.

Aceitando como fidedigna a informação sobre a Malaposta, contida na revista número três do Centro Dramático Intermunicipal Almeida Garrett, editada no ano de 1989, procurei, no Arquivo Municipal de Loures, no Museu das Comunicações e no Arquivo do Ministério das Obras Públicas, documentos que sustentassem as afirmações que nela se fazem.

Na página 2 dessa revista, pode ler-se, a propósito do projecto da Malaposta:

“Não era um projecto de raiz, mas a recuperação de um vetusto edifício, com uma longa e quase desconhecida história entranhada nas suas pedras, que nasceu para ser estação da mala-posta e acabou como matadouro municipal (…).Depois foi tratar de saber que edifício era este, que todos chamavam “matadouro”, mas que se descobriu ter sido, originalmente, a mala-posta de Loures, e sobre o qual pouco ou nada se descobriu. (…)
No decorrer de 1855/1856, foi construída a posta de Casal dos Carreiros… (…)
O nosso edifício, em dada altura, foi transformado em matadouro municipal…. presumivelmente, alterando a sua imagem arquitectónica original, da qual ainda se pode reconhecer a traça”.

O autor deste texto não nos diz em que fontes se baseia para proferir estas afirmações e eu não as encontrei.

Posteriormente, tive conhecimento que o mesmo insucesso tiveram outros pesquisadores. Disso nos dá conta Alfredo Ramos Anciães, num estudo realizado no âmbito de uma Pós-Graduação em Museologia Social, na disciplina de Museologia e História Local, do Instituto Superior de Matemáticas e Gestão, estudo coordenado pelo Professor Doutor Alfredo Tinoco. No final do seu trabalho, a jeito de conclusão, afirma: 

“Quanto à expressão Malaposta de Loures, pensamos haver uma interpretação menos correcta. (…) Nós não encontrámos ainda, nem no Património documental da C. M. de Loures, nem no da Fundação das Comunicações/Museu, qualquer documento coevo em que possamos basear a referida expressão”.

Quanto às imagens apresentadas na página 3 da mesma revista, que em legenda informam serem do edifício da estação da mala-posta do Casal dos Carreiros, devo esclarecer, porque o texto não o faz, que fica no concelho de Pombal, e não no concelho de Loures. É que, embora não o diga expressamente, pela forma como o texto está estruturado, somos levados a pensar que é o edifício da hipotética “mala-posta de Loures”. Essa tem sido a conclusão de quem o lê sem antes ter ouvido falar em Casal dos Carreiros.

Sem documentos, nada posso afirmar quanto ao suposto edifício da Malaposta, documentos que procurei paciente e persistentemente, durante meses. Não tenho, não encontrei. Ninguém, até hoje, encontrou.

Os factos também não confirmam as afirmações que se têm feito sobre a Malaposta de Loures, porque o transporte era feito de barco pelo rio Tejo até ao Carregado e daqui é que partia a diligência ou mala-posta, que levava o correio e os passageiros até Coimbra. Em 1856 foi inaugurado o caminho de ferro e a viagem passou a fazer-se de Comboio até ao Carregado. O comboio substituiu o barco.

Não é provável que aqui tenha existido uma estação de muda de cavalos, uma vez que o percurso da mala-posta não era por aqui.

Houve um equívoco. Documentos existem, e bem claros, mas é quanto ao edifício do matadouro e, por isso, só acerca do matadouro posso fazer afirmações.

No livro número dez das actas das reuniões da Câmara dos Olivais, pode ler-se, na acta da sessão de onze de Dezembro de 1873, o seguinte:

“Nesta reunião apresentou-se João Alfredo Azevedo como procurador do Excelentíssimo António Maria de Brito Pereira Pinto Guedes Pacheco, competentemente autorizado para tratar com a Câmara, sobre o preço de expropriação de 2.600 metros de terreno da Quinta do Senhor Roubado, ou Painel das Almas, que são precisos, para a construção de um matadouro municipal: e por isso concordou na cedência dos ditos 2.600 metros pela quantia de 250$000 (duzentos e cinquenta mil réis) com a cláusula de que caso não seja levada a efeito a obra projectada, tornar a ser-lhe entregue o dito terreno, restituindo-lhe ele a quantia que tiver recebido, o que foi aceite pela Câmara.”

Esta afirmação deixa bem claro que o edifício do matadouro foi feito de raiz e não foi reconstrução de qualquer obra que ali tivesse existido anteriormente.

A 27 do mesmo mês e ano, é passada, pelo Governo Civil a licença de construção, nos termos seguintes:

“… Faço saber que havendo a Câmara Municipal do concelho dos Olivais requerido licença para, na conformidade do decreto de 21 Outubro de 1863, fundar um matadouro municipal na quinta denominada = Painel das Almas = no sítio do Senhor Roubado (…); considerando que o respectivo processo correu os seus devidos termos, sem oposição e com voto favorável do delegado de saúde, do director das obras públicas e do conselho de distrito; usando da faculdade que me confere o artigo quarto do já citado decreto, pelo presente alvará concedo à referida Câmara a licença que pediu, sob as condições seguintes: Primeiro = O matadouro será fundado na quinta denominada = Painel das Almas = no sítio do Senhor Roubado, entre as estradas de Loures e a do dito lugar do senhor Roubado, dentro do perímetro descrito na planta geral junta ao processo; Segundo = A construção e condições do matadouro, casas e oficinas anexas serão levadas a efeito como se acha indicado na exposição da Câmara e nas plantas também juntas ao mesmo processo; e preferir-se-há na referida construção, sempre que for possível, o ferro e cantaria à madeira; Terceiro = O solo do lugar da matança e bem assim o das mais oficinas será lajeado, sendo as lajes unidas com cimento hidráulico e terá o suficiente declive no sentido dos sumidouros para mais pronto escoamento; Quarto= as águas da limpeza serão removidas para as terras próximas, por tubos de drenagem, para ali serem depuradas pela vegetação, de modo que as que chegarem à ribeira próxima, vão tão purificadas que não possam ser nocivas à saúde pública; (…); Sexto = Dever-se-hão explorar novas nascentes de água, que dêem, pelo menos, cinco metros cúbicos de água por dia, visto que a mina que se encontra ao sul da estrada que segue a Odivelas e à quinta do Painel das Almas é insuficiente;”

Assina, pelo Governador Civil, o Secretário Geral, Henrique da Gama Barros.

Não transcrevi o alvará na íntegra, porque me parece desnecessário. Apenas quis salientar os aspectos que considero importantes: a preocupação com as condições higiénicas, a exigência de aplicar materiais que garantam essas mesmas condições, a garantia da preservação do ambiente, assegurando que a ribeira não seria poluída, o cuidado em fornecer a água necessária à limpeza de todos os serviços.

Quis ainda certificar, com a repetida afirmação de que era construído na quinta denominada Painel das Almas, o local certo do matadouro, para que não possa haver dúvidas de interpretação ou diferentes entendimentos que os documentos não contêm.

As normas de funcionamento e todas as regras que dizem respeito a este matadouro, podem ser confirmadas consultando os documentos depositados no Arquivo Municipal de Loures, caso haja interesse, tempo e paciência para as procurar.

O que se verifica sempre, é a garantia de qualidade do edifício e dos serviços. O matadouro era uma construção com qualidade – no projecto e na execução.

A sua concepção tinha um objectivo nobre – a saúde pública.

Na década de sessenta do século vinte, depois de prestar um bom serviço aos munícipes dos Olivais e de Loures, foi desactivado e ficou ao abandono.

Sobre o edifício do matadouro, uma certeza tenho: não é reconstrução de um edifício anterior, fosse ele qual fosse. Foi projectado e construído para ser matadouro. A minha certeza não está fundamentada em suposições, mas nos documentos que transcrevi, para que os meus leitores não tenham dúvidas, ou se as têm, se possam esclarecer.

Um novo destino – sede de um projecto cultural inédito.

No dia 8 de Julho de 1987, no Museu Municipal de Loures, instalado na Casa do Adro à Rua Fria, os Presidentes das Câmaras Municipais da Amadora, Loures, Sobral de Monte Agraço e Vila Franca de Xira, afirmaram a decisão de criar um organismo intermunicipal que seria um Centro Dramático com o objectivo de prestar às populações dos quatro concelhos, serviços culturais nas áreas do teatro e animação cultural. Seria o primeiro Centro Dramático criado em Portugal. Funcionaria como um serviço público de carácter cultural/ artístico.

A animação cultural incluía, para além do teatro, as artes plásticas, o cinema, a dança, a literatura, a poesia, a música.

Para levar a efeito este projecto, foi nomeada uma Comissão Instaladora constituída pelo Vereador do pelouro da cultura da Câmara Municipal de Loures, António Marques Ribeiro, pelos encenadores José Martins e José Peixoto e pelo cenógrafo Mário Alberto.

No dia 6 de Janeiro de 1988 foi constituída pelas Câmaras da Amadora, Loures, Sobral de Monte Agraço e Vila Franca de Xira, a Associação de Municípios para a Área Sociocultural, a Amascultura.

Em Maio seguinte criou-se o Centro Dramático Intermunicipal Almeida Garrett.

Era necessário um espaço onde pudesse funcionar este Centro Dramático. A escolha recaiu no velho edifício do matadouro desactivado há anos. Tinha área suficiente, estava bem situado e era propriedade da Câmara Municipal de Loures, que prontamente o disponibilizou. Só havia um obstáculo: encontrava-se muito degradado e, além de obras de restauro, precisava também de ser adaptado a uma casa de artes do espectáculo. Estava decidido e as obras iniciaram-se.

Em Outubro de 1989 o edifício era inaugurado com a apresentação da peça “O Render dos Heróis”, de José Cardoso Pires. Até hoje nunca mais as suas portas se fecharam. Aqui decorrem espectáculos de teatro e de dança; aqui se realizam concertos; aqui ouvimos poetas; aqui se fazem exposições; aqui se oferece cinema; aqui se debatem ideias e teorias; aqui acontece arte e cultura, porque a Malaposta é uma casa de cultura, e continua a ser uma casa com arte.

in “Por Terras de El Rei D. Dinis”, Maria Máxima Vaz